sexta-feira, 22 de julho de 2016

Ferrugem

Chego em casa, dia cheio. Brigamos. Solitário. Boa noite pro pessoal e direto pro quarto. Porta trancada. Mas não tem silêncio, ironia do destino o vizinho dos fundos está ouvindo Djavan. Maldito, em alto e bom som, límpido no meu silêncio e mau humor. Abro as últimas palavras: você não está disposta a nada. Devolvo meia dúzia de sentimentos cuspidos, nem sei realmente o que querem dizer. Dói. "O frio é o agasalho que esquenta o coração gelado". Acabou e ficou por isso mesmo. Mas não vou me humilhar. Te dou uns minutos. Mudo. Mas você não vai nem contestar? Coberta tampando a cabeça e os pensamentos. Vou cuspir só mais essas três coisas que eu quero dizer. Não. Mas não é possível que nada chame sua atenção. A verdade é que eu nem queria nada disso, só a sacudida. Urro. A cabeça de lado, travesseiro molhado. Aperto os olhos querendo apertar os parafusos que te caíram pra me largar aqui assim. Dói. "Restos de sonhos sobre um novo dia, amores nos vagões, vagões nos trilhos. Parece que quem parte é a ferrovia que mesmo não te vendo te vigia". Que sonhos? Dá pra tirar essa música e colocar um funk cheio de baixaria? Olhos abertos, se acostumando com a escuridão. Vai passar. Vai passar. Vai passar. Dói. Dentes trincados. Acabou. "E no mistério solitário da penugem vê-se a vida correndo parada como se não existisse chegada". Aeroporto. Conta zerada. Tudo pra trás. Os planos tão bem pensados eram o que mesmo? Não preciso disso, seja o que Deus quiser. Largo todos. Dorso da mão no rosto, ensopado. "Na tarde distante, ferrugem ou nada". Dói.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Relógio

Relógio

Tem horas que é preto o branco. Tem horas que só quero tirar os óculos e escolher sentir a miopia com todos os seus efeitos turvos e necessários. Tem horas que o aperto é grande e um batalhão de coisas pra fazer tomam conta da minha cabeça, mas eu só preciso ser ouvida, só preciso me ouvir no silêncio que cabe em olhos fechados. Tem horas que eu escolho ouvir música em inglês pela letra, ou melhor, pela possibilidade que tenho de ignorar a letra, não prestar atenção e ser levada pra longe pelo som esquisito que sobra. Sou capaz de um shuffle de todos os álbuns de Smiths, Tame Impala e Jeff Buckley juntos. Tem horas que eu quero que tudo que me dizem seja engolido de volta e entalado na garganta de quem falou, pra incomodar bastante. Tem horas que eu quero que seja noite e tem horas que a vontade é de fugir pra outro país, com uma mochila nas costas e sem telefone, pra ter que começar tudo de novo, do zero. Tem horas que eu quero me obrigar a ser o melhor de mim e tem horas que eu tampo os dois ouvidos com as mãos e repito "take it easy" umas 20 ou 200 vezes pra mim mesma. Tem horas que eu quero sacudir as pessoas, dar um tapa na cara pra acordar e berrar um "alôu, sou eu e tô aqui, não perde tempo". Tem horas que sou em quem perde tempo. Tem horas que sou eu quem perde.

domingo, 15 de março de 2015

Do Caio

"Tenho trabalhado tanto, mas sempre penso em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assenta e com mais força quando a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos… Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você. Eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o que tinha, era seu. Mas se você tivesse ficado, teria sido diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o fim, quando se sabe que doerá muito mais — por que ir em frente? Não há sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia — qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir, mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse nada seja áspero como um tempo perdido. Tinha terminado, então. Porque a gente, alguma coisa dentro da gente, sempre sabe exatamente quando termina. Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas. Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo. Mesmo que a gente se perca, não importa. Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro. Mas que seja bom o que vier, para você, para mim. Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis. E eu acho que é por isso que te escrevo, para cuidar de ti, para cuidar de mim – para não querer, violentamente não querer de maneira alguma ficar na sua memória, seu coração, sua cabeça, como uma sombra escura."

(Caio Fernando Abreu)

sábado, 28 de fevereiro de 2015

Ela diz

Nenhum sinal, nada além de até quando, um dia, quem sabe. Mas ela diz que apesar de tudo ela tem sonhos. Que o barquinho é remado a dois, que o porto vai estar ali pra quando a maré da vida dela estiver agitada. Que vão se admirar de ela querer voltar pra mesma ilha que fez dela perdida, sozinha, em alto mar. Que ela não vai ligar, porque construiu sua cabana forte naquelas terras com suas próprias mãos, tantinho por tantinho, sem pressa pra não deixar nenhuma falha, mas querendo a cada tanto que ficasse pronta logo. Que o espaço vai ser pequeno pra dois de novo tamanho amor que vai ser colocado nele. Que a espera vai acabar, que o sonho vai ter par. Ela diz que um dia a gente há de ser feliz, se Deus quiser.


(Janaína, Biquini Cavadão)

domingo, 2 de novembro de 2014

Cuida dele


Não preciso que ninguém me diga que nunca alguém vai cuidar do que é nosso tão bem quanto nós mesmos, mas hoje eu queria te dar umas dicas. Não por você, nem por mim, mas por ele. Você precisa entender que ele é difícil, mas que isso é, talvez, uma das melhores coisas pra você. Porque vai te fazer ver que você é capaz de ser versátil, madura, firme, grande, doce, paciente e outras tantas características que urgem à flor da pele pra lidar com alguém na hora que o calo aperta – e se não for, vai aprender a ser. Bom, comigo foi assim, acredito que pode acontecer com você também. Mas o importante é que você se lembre que mesmo que ele fale muitos decibéis acima do normal quando está nervoso, tudo que ele espera é seu socorro, então não vai adiantar querer gritar por cima. Ouvir e retribuir com um beijinho funciona como mágica.
Ele gosta de ser olhado nos olhos. Você pode fazer isso por um tempo em silêncio e provavelmente vai ser presenteada com o sorriso mais lindo do mundo. Aproveita, tem coisas na vida que confortam e com certeza o sorriso dele é uma delas. Ele também gosta de se sentir leve e, por incrível que pareça, é quando ganha um abraço apertado que ele voa alto e livre.
Poucas coisas deixam ele mais feliz do que um carinho na barba. Talvez só a mão na nuca na hora do beijo ou o cheirinho de um beijinho de esquimó. Ele gosta de ser acarinhado, de um afago inesperado, de te ver sincera e inteira. Então seja.
Deixa ele te apertar o braço e falar colado no seu rosto que quem manda é ele, mulher. Ele sabe que não é verdade, assim como esse teatrinho é mais falso que moeda de três centavos, mas poucas vezes você vai se sentir tão protegida quanto quando ouvir isso e tiver a certeza de que ele é, sim, o homem capaz de te livrar de todo e qualquer perigo. Talvez só quando ele insistir pra que você troque o lado da rua pelo da calçada, ou quando disser que te ama.
Ele não gosta de papel de presente, então não se dê ao trabalho de embrulhar as coisas. Mas ele gosta de bilhete, principalmente se for escrito à mão. E gosta de ouvir que você está feliz e, mais do que isso, de te ver feliz. Então se joga em todas as bobeiras que ele inventar pra vocês dois e seja. Cuida dele quando ele estiver triste e quando não estiver também. Leva no cinema, pergunta qual filme ele gostaria de ver mas, na hora, escolhe você. Ele gosta de ver a mulher decidida que está do lado dele mesmo que, no fundo, você só tenha optado pelo Star Wars porque sabe que ele é fascinado por todo aquele universo e não se cansa de assistir uma, duas, três vezes mais. E deixa ele falar sobre o que viu. Ele vai adorar ser ouvido e mais ainda se você disser que, bem, mesmo leiga, talvez você também possa compartilhar com ele sua opinião.
Faz cada minuto ser único, faz o espaço ser pequeno pro sentimento de vocês e o tempo insuficiente pra viverem tudo que vocês esperam. Você tem um tesouro nas mãos e talvez ainda não tenha se dado conta. Mas, nesse caso, trate de se apressar e aproveitar a chance que a vida está te dando de ser feliz. Dizem que a gente cria filhos pro mundo. Educa, vê crescer, cresce junto e a cada coisa nova é um aprendizado pros dois. E aí, já maduro e com bagagem suficiente pra seguir em frente sozinho, ele se vai. Às vezes amores são como filhos.

sábado, 18 de outubro de 2014

(In/sub)consciente


Meu subconsciente me traiu e eu sonhei com você. Um sonho real, possível. Ironia ou não, nele a gente também estava afastado, mas a vontade de estar perto nos fazia querer aproveitar qualquer brechinha de tempo em que ninguém estava olhando pra se abraçar, conversar e repetir de novo tudo aquilo que a gente já sabe sobre sermos felizes juntos, talvez, mas no real não ter jeito. Até em sonho você salvava a pátria no final com um gesto bobo, mas que me fazia te admirar. Dessa vez você acendia o sistema de churrasqueira de uma casa pra ajudar a mim e mais duas pessoas com um par de bêbados que tinha acabado de entrar. É louco, é sonho, não é pra ter sentido. Mas fez todo sentido quando eu estava na cozinha da casa te espiando pelo reflexo dos azulejos verdes da parede e você me espiando do mesmo jeito do seu lugar e sabendo que eu te olhava. E aí você me pediu água, pretexto bobo pra, um minuto depois, estar sozinho na cozinha comigo. Não aconteceu nada, a gente, de novo, só aproveitou a situação pra se olhar, sem nem chegar a trocar uma palavra, mas os dois sabendo o que o outro queria dizer. Acordei com seu nome na minha cabeça. Experimentei os dois modos possíveis de te ter perto de mim (o voluntário e o involuntário) e estou tentando descobrir se é mais esquisito pensar em nós daqui ou quando passo por onde você pode estar e torço  em vão  pra estar lá e a gente se esbarrar por acaso. De qualquer jeito, te descobri morando na parte do meu consciente que eu não controlo. E tomara que eu não consiga te tirar dali, nem por querer, nem sem querer. Por mais estranho que seja, é sempre bom ser surpreendida por você.

(julho/2014)

domingo, 28 de setembro de 2014

Sobre defeitos – meus e seus

Levei dois segundos pra pensar que é bom não ter notícias suas, que minha vida ta linda e que mais um mês e tudo que vivemos não vai significar nada além de uma experiência que chegou, ficou e passou. Treze minutos depois eu morri por dois segundos dentro de mim com aquela sensação dolorosa que fica depois do pico de adrenalina e passa aos poucos corroendo o corpo e enchendo a mente de murmúrios. Lembrei de quando você falou que não é fácil abandonar tudo em prol de um nada que pode ter muito mais a oferecer que nossas promessas cheias de quereres, mas vazias de mudança. Que às vezes você ta bem, mas que em outras escolhe sentir e viver sua tristeza. Ainda estou me acostumando com a minha companhia e com a falta de tanta coisa que nem vale a pena enumerar, mas independente disso tudo já vi que eu vou me dar muito trabalho. Percebi que nessa de não saber ser sozinha eu nunca me dei a chance de conhecer meus medos a partir da perspectiva de quem olha de fora e que uma coisa chamada "alter ego" nunca foi tão fácil e simples de compreender como quando eu me peguei tendo que me tirar do abismo de frustrações onde me joguei e com que me cobri. Me falaram que eu sou forte, que no meu lugar ainda estariam trancados no quarto, até hoje e por mais uns seis meses. Tolinhos. Quem disse que não estou? Saio de casa pra me dar um descanso, ou viveria de dois em dois segundos alimentando uma bipolaridade nunca antes tão bem cultivada. É uma questão de escolha, não é mesmo? 
-
Larguei tudo pra lá e vou começar do zero (agora já sei como fazer isso). Não significa que mudei de opinião, mas o fim das coisas não é tao simples pra mim, nem com textos, nem com pessoas. Passei dias olhando pro jeito como eu falo de tudo que aconteceu sem saber onde e com o quê dar um ponto final. Talvez essa seja a questão, não saber a hora de parar, ou então é só minha mente que trabalha com isso de se acostumar com o que tenho, de funcionar na inércia. Sim, sou um poço de apego e por que não ser? Hoje tive que me apegar ao passado quando me pediram pra listar cinco defeitos seus e eu parei no dois sem saber mais o que inventar. Vi que, na verdade, você não merece uma descrição tão ruim – achei seu maior defeito.

"E tanto faz
De tudo o que ficou guardo um retrato teu
E a saudade mais bonita"
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...